A recente decisão do STF em relação à MP 927/2020, e os funcionários da Caixa Econômica Federal

  • Por: CRVB Advogados

por Jessica Ribeiro Lemos

Em 02/04/2020 o Governo federal anunciou a disponibilidade de auxílio emergencial mensal, no valor de R$ 600,00, para os trabalhadores autônomos e informais, contribuintes individuais da Previdência Social, desempregados e microempresários. Para facilitar o cadastro da população e a gestão da distribuição dessa verba, foi criado aplicativo para celulares e computadores, com campos cadastrais que facilitassem a identificação do beneficiário, a comprovação do atendimento dos requisitos para recebimento, dentre outros aspectos.

Ocorre que, com o início do pagamento da primeira parcela do auxílio, em 14 de abril, a movimentação nas agências da Caixa Econômica Federal – CEF sofreu significativo impacto – segundo informações da instituição, o fluxo cresceu cerca de 100% com relação ao período anterior ao início do pagamento –, trazendo um consequente aumento na circulação de pessoas no ambiente bancário. Tal situação alterou a vida e a rotina dos funcionários da CEF, aumentando a jornada de trabalho, bem como, via de consequência, os riscos de contaminação do novo coronavírus.

Em paralelo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF, em sessão realizada por videoconferência, suspendeu a eficácia de dois dispositivos da Medida Provisória (MP) 927/2020, que autorizam empregadores a adotarem medidas excepcionais em razão do estado de calamidade pública decorrente da pandemia. Por maioria, foram suspensos o artigo 29, que não considera doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pelo coronavírus, e o artigo 31, que limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho à atividade de orientação. A decisão foi proferida no julgamento de medida liminar em sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas contra a MP.

O precedente do STF abre larga margem para a discussão e o questionamento sobre as medidas adotadas pela CEF para a contenção da proliferação da doença em suas agências bancárias. Quais medidas estão sendo tomadas e, noutra via, seriam tais medidas suficientes para evitar a contaminação pela doença e proliferação do vírus não só com relação aos beneficiários do auxílio emergencial, mas especificamente aos funcionários da instituição financeira?

A princípio, a simples entrega dos equipamentos de proteção não exonera a responsabilidade da Caixa em resguardar a vida de seus funcionários, sobretudo no caso de adquirirem doença ocupacional relacionada à covid-19, uma vez que é claramente visível e de conhecimento público as aglomerações nas agências da CEF e a exposição dos trabalhadores.

Denota-se que a situação é temporária e crítica. Entretanto, necessária é a análise multidisciplinar dos possíveis efeitos futuros, atrelando-se ao estudo as questões trabalhistas envolvidas, buscando-se reduzir maiores prejuízos econômicos não só à população carente que necessita da salvaguarda emergencial para sua sobrevivência, mas também aos trabalhadores da linha de frente, nitidamente expostos aos riscos de forma diária.

O Ministério Público Federal já solicitou esclarecimentos sobre os seguintes problemas apontados pela população: dificuldade de acesso do cidadão à poupança digital; demora demasiada na análise do requerimento; requerimento indeferido de beneficiário que preenche todos os requisitos; dificuldade de obtenção de informações; dentre outros.

É certo que a inadvertida e espantosa pandemia fez que com nossa sociedade se reinventasse a cada dia, buscando, nas mais variadas fontes e formas, alternativas de continuidade das relações sociais. Nesse ponto, a tecnologia tem se mostrado o maior aliado para esse fim. E tendo isso em vista, para uma efetiva redução dos riscos envolvidos com o pagamento do benefício transitório, melhor seria que o aplicativo disponibilizado para a população e os demais canais existentes para tal finalidade funcionassem de forma eficaz, sanando-se com urgência as possíveis inconsistências levantadas, o que consequentemente reduziria a necessidade de o cidadão comparecer pessoalmente às agências bancárias, diminuindo assim o número de atendimentos e o risco laboral e social de contaminação.

De toda forma, possivelmente todas essas situações chegarão às portas do Judiciário em um futuro próximo, cabendo ao magistrado a racionalidade e a aplicação da lei com base no bom senso e na análise das peculiaridades de cada caso concreto, buscando sempre o equilíbrio nas decisões judiciais.

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